Otelo volta a sugerir «operação militar que derrube o Governo» / Santos Neves RTP

Posted on 2012/04/25

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A “perda de alta soberania” de Portugal para os diretórios da União Europeia justifica, na opinião de Otelo Saraiva de Carvalho, um novo 25 de Abril. O estratega da revolução de 1974 volta à carga para sustentar que “estão a ser atingidos limites” que, uma vez ultrapassados, podem justificar uma intervenção das Forças Armadas “que derrube o Governo” de Pedro Passos Coelho. Declarações em tudo semelhantes àquelas que lhe valeram, no início do ano, a abertura de um inquérito do Ministério Público. Perante estas palavras, o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas, Manuel Carcel, também estima que a soberania “cada vez mais se vai esvaindo”, mas sublinha que “a democracia tem mecanismos”.

 Carlos Santos Neves, RTP // 15 Mar, 2012, // Otelo Saraiva de Carvalho esteve ontem à noite no Instituto de Contabilidade e Administração de Coimbra para dar uma palestra subordinada ao tema “As Forças Armadas na Defesa da República e da Democracia Portuguesa”. Uma oportunidade para insistir na mesma leitura da situação do país que, em novembro de 2011, deu lugar a controvérsia e incomodou o ministro da Defesa.“Tudo ao acaso”

Otelo Saraiva de Carvalho criticou também o desempenho dos sucessivos governos após 1974 na definição do papel das Forças Armadas.

“Até hoje, apesar de todas as reestruturações, das leis orgânicas publicadas, não há da parte dos governos sucessivos uma definição concreta de qual é o papel das Forças Armadas. Politicamente, qual é o caminho”, notou.

“É tudo ao acaso”, continuou Otelo, dando como exemplos as missões no Afeganistão e os salvamentos em território português.

“Não há uma linha concreta definida e tudo isto vai contra a Constituição. Hoje, de facto, a profissão do militar é um emprego”, concluiu.

Em Coimbra, o “capitão de Abril” foi peremptório: a quem lhe diz, na rua, que Portugal precisa de um novo 25 de Abril devolve que “sem dúvida era necessário”, porque “só as Forças Armadas podem resolver a perda de soberania” e de “independência nacional”.

“Há esta submissão grande em relação à grande potência atual da Europa que é a Alemanha, uma perda de alta soberania. Esta perda de soberania é tão marcante que, foi por isso que eu disse, estão a ser atingidos limites”, lembrou o coronel.

“Quando esses limites forem ultrapassados”, reiterou, “as Forças Armadas terão que atuar”.

“E aqui, nesta ligação constitucional das Forças Armadas ao povo, com as Forças Armadas ao lado do povo, em defesa do povo português, aí de facto as Forças Armadas terão que atuar”, insistiu Otelo.
“Uma operação militar que derrube o Governo”
A atuação das Forças Armadas poderia passar, no entender de Otelo, por “uma operação militar que derrube o Governo”: “Mesmo apesar de eu saber que o Governo foi eleito. Mas foi eleito em que condições? E atualmente há satisfação dos portugueses em relação ao poder que foi eleito? E se houver outras eleições haverá satisfação? Não”.

Otelo Saraiva de Carvalho lamentou que a “esperança que o 25 de Abril abriu” esteja, nas suas palavras, “a morrer”. E denunciou o que considera ser “uma infração permanente às disposições constitucionais por parte dos sucessivos governos”, que tem atingido “os direitos sociais dos trabalhadores”.

Ainda segundo Otelo, terá faltado audácia ao Movimento das Forças Armadas depois do colapso do Estado Novo: “Nós, MFA, tínhamos o poder na mão, de nos afirmarmos como um país soberano, como um exemplo dado ao mundo, notável, que foi a descolonização, sem ponta de colonialismo nosso, no estabelecimento de relações fraternas”.

A Islândia constitui, para o oficial na reserva, “um caso notável” de “poder popular emergente”. “O povo prendeu os políticos, prendeu os banqueiros, disse que não pagava dívida nenhuma, que a culpa não era do povo, e com o poder popular emergente elegeram uma comissão para elaborar uma nova Constituição”, disse.
Inquérito
Em novembro do ano passado, numa entrevista à agência Lusa, Otelo Saraiva de Carvalho admitia um cenário de golpe militar, se fossem “ultrapassados os limites”.

A propósito de uma manifestação de militares que estava então prevista, Otelo opôs-se a esse tipo de ações de protesto. Em lugar de manifestações e “ultrapassados os limites”, defendia o coronel, os militares deviam “fazer uma operação militar e derrubar o Governo”. “Bastam 800 homens”, atalhou mesmo o “capitão de Abril”.

Confrontado à data com as declarações de Otelo Saraiva de Carvalho, o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, considerou que o oficial “não se deu ao respeito”.

No início de janeiro, o Ministério Público abriu um inquérito relacionado com o conteúdo da entrevista à Lusa, na sequência de uma queixa apresentada por um grupo de cidadãos. Otelo argumentaria que se limitara “a emitir uma opinião sobre a manifestação de militares”, o que não poderia “ser crime nenhum”.
“Democracia tem mecanismos”
Também o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), entretanto ouvido pela agência Lusa, considera injustificado o inquérito aberto em janeiro, arguindo que “a liberdade de opinião pode acontecer com esta expressão mais viva, sem que o Ministério Público venha incomodar” o “camarada” Otelo Saraiva de Carvalho.

Contudo, Manuel Carcel não vai ao ponto de anuir à ideia de um golpe militar, embora estime, como Otelo, que a soberania do país se está “a esvair”.

“Vamos vendo cada vez mais exemplos de muito pouco edificantes razões que levaram a esta situação em que nos encontramos”, afirmou o responsável pela AOFA, contrapondo que “a democracia tem mecanismos para nos fazer ultrapassar o período que atravessamos”. Mesmo que o país se encaminhe para “uma situação que todos, militares e população em geral, olham com muita apreensão”.

“As Forças Armadas, em muitas ocasiões ao longo da nossa História, foram a solução para outros problemas”, prosseguiu Carcel, para logo ressalvar que quer “acreditar que somos capazes, num ambiente de democracia, de ultrapassar este problema”: “Mais que não seja, se assim for entendido, substituindo os governantes que hoje estão à frente dos destinos do país”.

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